sábado, 26 de maio de 2012

Autoplay - Extra

Parte III - 50 Anos do Cobra

Enzo Ferrari em foto da época em que pilotava para a Alfa-Romeo. Divergências com a diretoria e a rivalidade com outro piloto levaram o comendador a fundar a sua própria escuderia após a Segunda Guerra.
Para quem estranhou a foto do comendador Enzo Ferrari na abertura desse artigo, verá nas linha abaixo o motivo. Nessa terceira parte vamos abordar um carro que literalmente caiu no colo de Carol Shelby. Mas antes um breve prefácio sobre uma rivalidade que se transformou em guerra. A Ford queria uma equipe oficial que a representasse animada pelo sucesso dos Cobras, e começou a negociar a compra da Ferrari em 1963. Em provas de endurance, F1 e em outras competições os carros vermelhos do cavalino rampante praticamente dominavam sem rivais à altura.
Mas Enzo não gostou dos termos do contrato que incluíam à submissão da escuderia à diretoria da Ford e que se o orçamento da divisão de competições ultrapassasse determinado teto, ele teria que pedir autorização para  complementar o restante. Orgulhoso, o comendador reagiu negativamente aos termos que ele considerou humilhantes no contrato de compra e saiu abruptamente da sala após uma torrente verbal de um dialeto local que acabou sendo confundido com ofensas. 
Enzo não ligava muito para os carros de rua que fabricava, afinal eram só um meio de manter a escuderia nas pistas, a real paixão do comendador. Tosar a sua real motivação era o mesmo que castrá-lo, e por isso a reação destemperada. A Fiat, conhecedora dos hábitos, temperamentos fortes e paixões locais foi mais sábia e comprou a marca cinco anos depois, dando total controle da divisão esportiva ao comendador até a sua morte. 
Henry Ford II em foto de 1973.  A típica insensibilidade americana gerou um mal entendido que criou uma das maiores rivalidades na história do automobilismo. 
Voltando aos advogados e tradutores americanos que ficaram sem saber o que fazer diante da reação explosiva do então fundador da escuderia, em vez de renegociarem os termos do contrato, simplesmente voltaram a Dearborn e relataram o ocorrido ao então presidente da marca, Henry Ford II. Como dono de uma das mais poderosas marcas automobilísticas americanas, o filho do fundador da marca ficou furioso com a suposta reação do comendador e determinou que se esmagasse a escuderia onde ela reinava: nas pistas. Apesar do relativo sucesso dos Cobras 289 e Daytona, Henry Ford preferiu seguir um caminho à parte. Mas não foi o que ele esperava no início...
Ford GT 1966 nas cores vencedoras de Le Mans daquele ano.
Em um parto complicado, nasce o Ford GT40
1000 km de Nurburgring em 1964. Ford GT40 Mark I de Bruce McLaren e Phil Hill sendo observados  por uma multidão de curiosos.
O primeiro GT40 já estava pronto em 1964, em um time de especialistas reunidos pelo executivo da Ford Lee Iacoca, vindos da Lola, Aston Martin e mais tarde Carrol Shelby. O número 40 se referia ao número de polegadas que eram a altura máxima permitida pelas regras da FIA, fazendo o carro ficar em 1,02 m de altura. Tinha 3,26 m de comprimento e o motor era colocado longitudinalmente na traseira. O motor V8 era uma unidade de4,7l que rendia algo em torno de 390 cv de potência, acoplado a um câmbio de 5 marchas, o que lhe dava a máxima de 320 km/h. Para pará-lo os famosos freios de competição da marca Girling. As portas tinham recortes no teto para tentar facilitar a entrada dos pilotos, mas abriam de modo convencional. Os primeiros modelos nasceram com a estabilidade direcional comprometida, o que fez que se acidentassem. Um aerofólio chegou a ser colocado na traseira mas não ajudou muito. Outro problema era o câmbio que não suportava o imenso torque do motor e quebrava, provocando abandonos em provas importantes como as 24 horas de Le Mans e os 2000 km de Nurbugring. Dizem que Henry Ford II não ficou muito feliz com o resultado, já que o carro era um desastre mesmo sendo pilotado por pilotos do porte de Phil Hill, Bruce MacLaren e Graham Hill. Nem todo o dinheiro do mundo é capaz de se fazer o melhor carro, se os melhores talentos não estiverem no lugar certo.
24 Hours de LeMans, França, Carroll Shelby conversa com o piloto Allen Grant (à esquerda) e membros da  equipe em foto de 1965.
Ford GT40 roadster pilotado pela dupla Iness Ireland e Sir John Whitmore em ação em Le Mans, mas que abandonou após 72 voltas.
Carroll Shelby (em primeiro plano) atrás de um protótipo Ford GT40 Mark II pilotado por Phil Hill e Chris Amon. A dupla foi obrigada a abandonar após 89 voltas.
Em 1965 Carrol Shelby assume o comando da equipe agora sob no nome de American Shelby e os resultados começam a aparecer. Foram corrigidos os problemas aerodinâmicos e testes computadorizados (!!!) melhoraram o fluxo de ar no motor. Rebatizado de Mark IA, recebia um câmbio ZF que de tão bom aguentou o tranco do novo motor, o conhecido 427 que tornava o Cobra indirigível de tão estúpido. Fez um estrago na concorrência que não estava à altura do "novo" carro em Daytona. Em Sebring ficou em segundo, atrás de um Chaparral com motor GM, o que deixou a diretoria da Ford furiosa...
Em abril aparecia a Mark II, com motor de 7l e 485 cv, mas novas quebras de câmbio e problemas nos cabeçotes do motor dos Mark IA fizeram o ano de 1965 fechar sem grandes resultados apesar dos números promissores dos testes iniciais.
Os boxes da Shelby American em Sebring (EUA) durante a corrida de 1966.
Carrol Shelby em Le Mans em foto tirada em 1966. Ele seria o chefe da equipe somente até o ano seguinte.  
Bruce McLaren e Mario Andretti testam o Ford J em Daytona em 1966. Possível substituto do GT40 acabou  não  se mostrando um concorrente à altura dos rivais.
24 Hours de LeMans, França, 1966. Chris Amon e Bruce McLaren vencendo pela equipe Shelby American com um Ford Mark II.
Em 1966 era feito melhorias nos Mark I e II e o câmbio mecânico dava lugar a um automático que aproveitava melhor toda a estupidez dos motores de 7,0l. Além de Daytona, Sebring, finalmente veio a primeira vitória em Le Mans. O protótipo J que havia sido desenvolvido para aquele ano não foi bem.
24 Hours de LeMans, França, 1966. Ron Bucknum e Dick Hutcherson com o Ford GT40 Mark II da equipe Holman & Moody  durante um pit-stop. A dupla chegou em segundo atrás do carro de Bruce McLaren e Cris Amon.
Carroll Shelby na apresentação do Mark IV, nas 24 horas de Le Mans de 1967. Fez o primeiro lugar com a dupla AJ Foyt e Dan Gurney e o segundo com os pilotos Bruce McLaren e Mark Donohue. Apesar dos bons resultados a Ford se retiraria do campeonato no ano seguinte.
Em 1967 novo motor de 6.9l de 500 cv acompanhava o novo protótipo Mark IV que fez dobradinha em Le Mans e também uma nova versão patrocinada pela Gulf Petroleum chamada Mirage. Os Mark II ganharam quase todas, menos Spa Francorchaps que ficou com o Mirage.
Brands Hatch, Inglaterra, 1968. Brian Redman e Jacky Ickx em ação pilotando o vencedor Ford GT40 nas lendárias cores da equipe da Gulf .
Em 1968 os motores ficavam limitados 5l e a Ford se retirava oficialmente da competição. Carrol Shelby teve seu contrato encerrado e foi trabalhar na Toyota que queria promover seu super desportivo GT2000. Mas as equipes particulares dominaram as provas nesse ano, ganhando até o campeonato. Sem a rival Ferrari, só restou a Porsche que naquele ano começava a dar trabalho com o 908.
24 Hours de LeMans, na França, 1969. Jacky Ickx e Jackie Oliver no  GT40 da Gulf  a algumas jardas à frente do Porsche 908 à uma volta para o final. Segundo quem assistiu e participou, foi uma das batalhas mais ferozes entre duas equipes que se alternavam na liderança da prova.
Em 1969, último ano em que participou de provas de endurance, enfrentou em batalhas épicas os Porsches 908 e o estreante 917 (mais conhecida como "A Besta") nas 24 horas de Le Mans mas fechou sua participação com chave de ouro em Sebring. Mas o campeonato ficou nas mãos dos alemães.
O GT40 se tornou uma lenda e foram fabricados algumas versões para as ruas, nomeadas Mark III de 1966 e 1967 com motor de 4.7l de 355 cv, e que hoje são raríssimas e custam uma pequena fortuna cada. Fabricantes de réplicas fazem versões da Mark II, a mais conhecida.

Daqui a duas semanas volto com as participações e uma breve biografia dos pilotos do GT40 que fizeram história no automobilismo mundial, como campeões pilotando carros ou dirigindo as suas próprias equipes.

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